
Campanha do Porto (imagem 360º)
St Eugénio, Igreja dos Congregados, Porto
Contexto
Desde a redescoberta do coemeterium Jordanorum a 31 de maio de 1578, até à proibição decretada pelo Papa Leão XII em 1881, os ossos de homens, mulheres e crianças – conhecidos como corpi santi (corpos santos) ou santos das catacumbas – foram exumados dos cemitérios subterrâneos de Roma e amplamente distribuídos pela Europa e pelas Américas, incluindo Portugal. Estes mártires cristãos primitivos destinavam-se a promover e fortalecer a devoção religiosa em igrejas, conventos, mosteiros e capelas privadas, servindo também como símbolos de poder e influência para aqueles que os encomendavam. Inicialmente, os corpi santi eram transportados em caixas de madeira (capsulae lignea), acompanhadas por documentação legal (authentica) e selos de cera vermelha, servindo como atestados da sua autenticidade.


Ao contrário dos relicários medievais tradicionais, feitos de madeira ou metal, estes recipientes modernos procuravam simular os corpos físicos dos mártires. A criação destes artefactos devocionais teve início no final do século XVII e prolongou-se até meados do século XIX. Provavelmente produzidas em conventos e mosteiros ou por artesãos especializados em precisão anatómica e técnicas de moldagem, estas figuras eram frequentemente elaboradas sob a orientação de profissionais da área médica. Construídas com materiais como tecido, papel, gesso ou cera, eram montadas em estruturas metálicas e adornadas com vestes ricamente decoradas. Representadas, em geral, em posições laterais ou reclinadas, estas figuras incluíam também símbolos da sua santidade e martírio.
No entanto, a partir do século XIX, o entusiasmo e a piedade afetiva por estas relíquias e relicários diminuíram. A investigação arqueológica contribuiu para o descrédito generalizado da autenticidade dos corpi santi como mártires cristãos primitivos, devido à falta de provas concretas. Um dos fatores deste cepticismo foi o vaso sanguíneo (vas sanguinis), outrora considerados prova definitiva de martírio, a par da palma, conforme reconhecido pela Sagrada Congregação das Indulgências e das Relíquias Sagradas (10 de abril de 1668). A secularização dos bens da Igreja durante as Guerras Revolucionárias, bem como o subsequente processo de descristianização, contribuíram para um progressivo enfraquecimento da devoção popular. Com o declínio acentuado do culto, muitos simulacros foram ocultados ou removidos dos espaços sagrados, acabando por cair no esquecimento. Com o passar do tempo, os documentos oficiais de autenticação que acompanhavam estas relíquias, bem como a memória da sua origem e significado histórico, perderam-se.



Projeto & Missão
O projeto Santos Corpos | Um Atlas dos Corpi Santi em Portugal (DOI https://doi.org/10.54499/2022.01486.PTDC) é financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, com a duração de março de 2023 a março de 2026.
Os simulacros dos mártires das catacumbas são artefactos religiosos de grande importância, notáveis pelo seu contexto histórico e religioso, bem como pelos materiais diversos e pelas complexas técnicas de produção envolvidas na sua criação. A urgência em estudar estes artefactos é reforçada pela escassez de literatura científica nacional e internacional, o que tem levado a interpretações imprecisas do seu significado e a um potencial e irreversível desaparecimento deste património religioso.





O projeto Santos Corpos tem como objetivo revelar o contexto histórico, artístico e religioso dos corpi santi e dos seus simulacros em Portugal. Os seus objetivos incluem o reconhecimento, salvaguarda e valorização destes artefactos patrimoniais frequentemente negligenciados, bem como a sensibilização do público em geral, da comunidade académica e dos seus detentores. Este trabalho será realizado por uma equipa especializada de investigadores, consultores e assessores, recorrendo a abordagens inter- e transdisciplinares. As principais ações planeadas para alcançar os objetivos do projeto incluem:
- Pesquisa em arquivos nacionais, bem como na Biblioteca Apostólica Vaticana, no Arquivo Apostólico do Vaticano e nos arquivos do Vicariato de Roma
- Continuação do inventário nacional, iniciado em 2017
- Documentação das relíquias e dos relicários através de fotografia digital avançada, tecnologias inovadoras de digitalização 3D e aplicações de realidade imersiva
- Análise aprofundada das relíquias e dos relicários no âmbito da História da Arte, da História Religiosa e do Culto
- Estudo material e técnico de simulacros representativos
- Criação de protocolos personalizados de conservação e restauro para apoiar e orientar instituições religiosas e culturais
- Colaboração com académicos italianos para contextualizar os resultados nacionais, comparando-os com os exemplares de origem italiana identificados em Portugal
- Desenvolvimento de um website associado a uma plataforma online que funcionará como base de dados abrangente dos corpi santi e simulacros em Portugal
- Atividades de divulgação dirigidas tanto a investigadores especializados como ao público em geral









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